Entrevista - Procurador do Trabalho fala sobre o trabalho infantil no Espírito Santo

O  Dia Mundial e Nacional da Luta contra o Trabalho Infantil é comemorado em 12 de junho. A data é importante para sensibilizar a população em geral a respeito dos riscos e prejuízos causados pelo trabalho de menores, além de incentivar a realização de denúncias.

Para tratar sobre a questão do trabalho infantil no Estado do Espírito Santo, a assessoria de comunicação  do MPT-ES convidou o procurador do Trabalho Marcos Mauro Rodrigues Buzato, titular da Coordenadoria de Combate à Exploração do Trabalho da Criança e do Adolescente (COORDINFÂNCIA) no Estado, para uma entrevista.

Leia a seguir:

1- Qual a idade mínima para o adolescente exercer a atividade laboral? E em quais situações?

MMRB- A idade mínima para o trabalho no Brasil, segundo a Constituição Federal de 1988, é de 16 anos, podendo o adolescente excepcionalmente trabalhar na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos.

 Vale gizar que alguns trabalhos, quando perigosos, noturnos, insalubres ou prejudiciais a formação do adolescente, são proibidos para menores de 18 anos.

 

2- O MPT possui um projeto interessante. Como funciona o projeto “MPT na Escola: de mãos dadas contra o trabalho infantil” e quais municípios já foram contemplados a partir da sua parceria com as prefeituras?

MMRB- O Projeto MPT NA ESCOLA consiste em um conjunto de ações voltadas para a promoção de debates nas escolas de ensino fundamental dos temas relativos aos direitos da criança e do adolescente, especialmente a erradicação do trabalho infantil e a proteção ao trabalhador adolescente.

Trata-se de uma ação do Ministério Público do Trabalho, realizada em parceria com as Secretarias Municipais de Educação, com vistas à realização de oficinas de capacitação e sensibilização dos profissionais de educação sobre os temas acima mencionados. O objetivo é que os educadores capacitados atuem como multiplicadores, abordando os referidos temas em sala de aula, podendo, ainda, realizar eventos escolares que permitam ampliar o debate para toda a comunidade escolar.

Busca-se, com o referido projeto, intensificar o processo de conscientização da sociedade com vistas à erradicação do trabalho infantil, rompendo as barreiras culturais que dificultam a efetivação dos direitos da criança e do adolescente.

O projeto já foi executado, em anos anteriores, nos municípios de São Mateus, Colatina, Viana e Cachoeiro de Itapemirim.

No ano de 2015 o projeto teve início em mais nove municípios do Estado (Baixo Guandu, Itaguaçu, Marilândia, Mantenópolis, São Domingos do Norte, Governador Lindenberg, Linhares, Vila Velha e Conceição da Barra), alcançando aproximadamente 70 escolas.

 

3- O Ministério Público do Trabalho, as Prefeituras, o Tribunal Regional do Trabalho e outros órgãos estão trabalhando juntos para prevenir e erradicar o trabalho infantil? Quais são as políticas efetivas no Estado do Espírito Santo para a erradicação?

A atuação conjunta dos diversos agentes que integram a rede de proteção da criança e do adolescente é extremamente importante para a efetiva erradicação do trabalho infantil no Estado do Espírito Santo, que, segundo dados do IBGE datados de 2013, ainda possui mais de 64 mil crianças e adolescentes submetidas a trabalho precoce.

No caso do projeto MPT na Escola, a interlocução já existente no FEAPETI – Fórum Estadual de Aprendizagem, Proteção do Adolescente Trabalhador e Erradicação do Trabalho Infantil - foi estendida para o projeto, que passou a contar também com a participação de outros órgãos e entidades além do MPT e das Secretarias Municipais de Educação, tais como o TRT – Tribunal Regional do Trabalho, o MTE – Ministério do Trabalho e Emprego, o COEP – Centro de Orientação e Encaminhamento Profissional etc.

Essa atuação conjunta também se verifica nas Capacitações dos Conselheiros de Direitos e Tutelares do Estado do Espírito Santo, nas atuações para erradicação do trabalho infantil em feiras livres, nas ações promocionais com intuito de melhoria das políticas públicas municipais para erradicação do trabalho infantil, além de outras ações que, quando executadas de maneira integrada, possibilitam uma maior repercussão social.

 

4- Como envolver a família e a sociedade no combate e na prevenção do trabalho precoce?

MMRB- O primeiro passo é a conscientização da sociedade quanto à questão do trabalho infantil, haja vista que ainda existem determinados mitos que permeiam a sociedade e permitem conclusões distorcidas quanto ao tema. Os mitos de que “é melhor trabalhar do que ficar na rua”, de que “trabalhar não faz mal a ninguém”, de que “o trabalho gera responsabilidade para a criança”, ainda habitam o senso comum e servem para justificar a existência, ainda nos dias de hoje, do trabalho infantil em nossa sociedade.

Alguns dos projetos supramencionados (MPT na Escola, Capacitação dos Conselheiros de Direitos e Tutelares, Erradicação do Trabalho Infantil em feiras livres) têm como objetivo primordial a conscientização dos diversos sujeitos da rede de proteção, assim como da sociedade quanto aos malefícios do trabalho precoce.

 

5- Quais são os prejuízos para o Espírito Santo com o trabalho infantil?

MMRB- Pode-se dizer que os malefícios do trabalho precoce têm repercussão difusa, ou seja, ultrapassam os limites do Estado do Espírito Santo, uma vez que o trabalho precoce acarreta danos no campo educacional, emocional, social e da saúde.

O trabalhador precoce, em regra, sofre prejuízos no aprendizado, que podem se refletir na queda do rendimento escolar, até mesmo no abandono escolar, gerando futuramente, por consequência, uma população adulta desqualificada e despreparada para o mercado de trabalho.

Ademais, uma criança ou adolescente introduzido precocemente no mercado de trabalho é mais propenso a riscos de acidente de trabalho, haja vista que o fato de estar em desenvolvimento faz com que seu organismo seja mais vulnerável a intoxicações, além do que a falta de maturidade impede a correta absorção das normas de segurança do trabalho.

Portanto, quando não incapacita, o trabalho precoce gera mão de obra adulta desqualificada para o mercado de trabalho, com prejuízos não só para o Estado, mas para todo o país.

 

6- Quais são os desafios para a erradicação do trabalho infantil?

MMRB- São inúmeros os desafios para a erradicação do trabalho infantil no país. Um primeiro obstáculo é de natureza cultural, uma vez que parte da população ainda defende o trabalho infantil como algo benéfico para a criança e adolescente.

Outrossim, a falta de políticas públicas efetivas por parte do Estado, refletida em uma estrutura deficitária de creches, escolas, Conselhos Tutelares e órgão de assistência social, também se apresenta como um desafio a ser superado pelo país.

 

7- O trabalho doméstico infantil permanece oculto e ainda é pouco comentado. Como é feita a fiscalização?

MMRB- O trabalho doméstico infantil é um grave problema no Brasil, que, segundo dados do IBGE, ainda tem 258 mil crianças e adolescentes ocupados em trabalho doméstico.

Vale gizar que o trabalho doméstico foi incluído na lista do MTE com uma das formas de trabalho proibidas para menores de 18 anos.

Acontece que a fiscalização é extremamente complexa no caso de trabalho infantil doméstico. Isso se dá ante a existência da cláusula de inviolabilidade domiciliar prevista no art. 5º da Constituição. Caso não haja consentimento do morador, somente em casos excepcionais (flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro), ou durante o dia com ordem judicial, é possível ingressar no domicílio de alguém.

Se por um lado a inviolabilidade domiciliar serve como instrumento garantidor de direitos fundamentais do cidadão, por outro acaba por impor dificuldades na fiscalização de questões relativas ao trabalho infantil doméstico.

Entretanto, as dificuldades na fiscalização não podem servir de desestímulo para a população denunciar situações de trabalho infantil doméstico. Uma vez recebida denúncia de trabalho infantil doméstico, cabe ao MPT, caso tenha dúvida quanto a ocorrência de flagrante delito ou necessidade de socorro, valer-se de ordem judicial para possibilitar a fiscalização no interior da residência.

 

8- O Disque 100 é um canal de denúncia em caso de criança em situação de trabalho infantil? Há outras formas para denunciar?

MMRB- O Disque 100 é um importante canal de denúncia em caso de criança ou adolescente em situação de trabalho infantil.

Ao presenciar situação de trabalho infantil, cabe ao cidadão não só se indignar, mas também acionar os órgãos de proteção, através do encaminhamento de denúncia ao Disque 100, através de denúncia encaminhada diretamente para o MPT, pelo site (www.mpt.mp.br) ou por telefone (27-21254500), ou encaminhando denúncia ao MTE.

 

 

  

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