Projeto “Cozinha e Voz": trans e travestis concluem cursos na área de gastronomia

Acolhimento, visibilidade, inclusão e oportunidade são palavras que definem a celebração da formatura de 19 pessoas transexuais e travestis no projeto “Cozinha e Voz”, ocorrida no Hotel Escola Senac Ilha do Boi, na terça-feira passada (21). A qualificação profissional na área de gastronomia foi realizada pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) no Espírito Santo, em parceria com o Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial do Espírito Santo (Senac-ES), a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Associação Grupo Orgulho, Liberdade e Dignidade – Gold.

Durante a solenidade, a procuradora do MPT-ES, Keley Kristiane Vago Cristo, informou que o Cozinha e Voz é um projeto existente em âmbito nacional e recebeu um recorte específico no estado capixaba. De acordo com a representante regional da Coordenadoria Nacional de Promoção da Igualdade de Oportunidades (Coordigualdade), “o MPT está engajado na causa LGBTQIA+ e, sobretudo, na questão trans. É uma obrigação, é um dever, quem defende a diversidade no mundo do trabalho, mas também uma oportunidade de aprender com a resiliência que essa população demonstra.

Ela ainda acrescentou que a construção da autoestima supera todas as dificuldades, toda a exclusão, todo o preconceito. “Como é bom ver a superação, ver como vocês tão engajados e engajadas, como possuem força, beleza, energia. Que vocês recebam de nós muito respeito, além de muita admiração, porque vocês lutam para ser quem são. Vocês têm coragem de superar todo o preconceito social para afirmar a própria identidade”, comentou.

A diretora de Educação Profissional do Senac Espírito Santo, Léa Marina Erlacher, revelou que o projeto foi um sucesso. Segundo ela, é uma realização ver esse público se formando, de poder proporcionar a geração de renda. É uma satisfação muito grande, já que o programa atende a “um público desassistido, que está na marginalidade, está à beira da sociedade. Então para o Senac, como entidade de educação profissional, acolhê-los e tê-los conosco durante 2 meses, foi muito importante. Foi um projeto de realização e finalização do ano 2021”, concluiu.

Em seu discurso no evento, o oficial de Programa da OIT, Diego Calixto, explanou que “o programa de qualificação profissional vem com a perspectiva de proporcionar a formação profissional para essa população, com o trabalho decente e a justiça social. São princípios da OIT, que precisam ser alcançados para que a gente consiga promover a transformação social e gerar a mudança que nós precisamos, para que essas populações tenham a vida digna e um trabalho decente”.

Já procuradora do MPT-ES e executora do projeto no estado, Sueli Teixeira Bessa, agradeceu, em seu discurso, a todos parceiros envolvidos na iniciativa. “Começo pelo Senac, pois acreditou que seria possível fazer essa primeira turma; agradeço à OIT, pois elaborou uma versão um pouco adaptada; à Gold, por ter sido parceira em questões cruciais que o MPT acredita; e à minha colega procuradora Keley, por compartilhar dos mesmos ideais, por tentar fazer a nossa parte dentro do MPT. Acreditamos na questão da inclusão e no poder da transformação, para que haja respeito e seja observada a dignidade a todos os seres humanos. Estou sentindo muita felicidade e gratidão por isso”, relatou.

Cursos e oportunidades - O projeto direcionado a pessoas historicamente excluídas, em decorrência de preconceitos relacionados à orientação sexual e à identidade de gênero, ofertou 32 vagas gratuitas para o segmento LGBTQIA+ e foi dividido em três módulos: duas turmas do curso de preparo de bolos e tortas (30h), duas turmas de preparo de pães tradicionais (20h) e uma turma do curso de empreendedorismo (8h), abarcando os alunos dos dois cursos anteriores.

O assistente social da Organização da Sociedade Civil (OSC) Gold, Kevelin Martins, explicou que é a primeira vez que o projeto no Espírito Santo conta com cursos de qualificação. Na etapa anterior, devido às dificuldades que a pandemia nos impôs, os cursos foram promovidos no formato on-line, com o objetivo de promover a questão de escrita, essa questão mais artística. O profissional ainda acrescentou que algumas dessas pessoas que participaram da primeira etapa voltaram para essa nova etapa de qualificação. “Começamos convidando as pessoas da etapa anterior e, à medida que a gente foi organizando e executando a seleção, encontramos mais pessoas desse segmento, que era o nosso público-alvo: transsexuais e travestis”, explicou.

Entre os 19 formandos, a Gizelly Flores disse que adorou o curso de preparo de pães tradicionais, pois era um ramo em que já trabalhou. “Vou ampliar os meus horizontes, pois vou fazer outros cursos pelo Senac. Foi uma grande oportunidade, tanto para me profissionalizar quanto para eu ampliar meus horizontes e minha carta de recomendação”, contou.

High Nascimento Ferreira também participou do projeto que visa à promoção da empregabilidade de pessoas em situação de exclusão socioeconômica, na turma de preparo de bolos e tortas. Segundo o estudante, a pessoa trans possui pouca oportunidade em obter um emprego. “Apenas cerca de 5% da população trans trabalham formalmente. O restante é informal ou não tem nenhuma fonte de renda, mora na rua ou coisas do tipo. Eu já empreendia vendendo bolos antes da pandemia. E estar no projeto me ajudou bastante, me ensinou dicas e me fez compreender o assunto de forma objetiva. Sinto que é uma oportunidade muito boa estar aqui agora, estar me formando e no banco de dados”, completou.

Confira a poesia do formando Pietro Gabriel Heringer Menezes:

“Me vê 125 gramas de coisas boas

            1 xícara de amor

            3 doses de felicidade

      e    100 gramas de harmonia

É que eu quero fazer a receita que a gente fazia no Senac todo dia

Depois dessa receita vinha o preparo de bolos e tortas

E toda tristeza e insegurança ficavam pra fora da porta

Do lado de dentro só existia respeito

E tudo que era considerado defeito

Foi transformado em amor

A harmonia entre profissionais e alunos era evidente

A risada frequente

E a felicidade era percebida facilmente

Tinha o café do Elpídio

Nossa evolução visível

E do nosso rosto não saía o mais lindo sorriso

As pessoas trans quase não têm oportunidades

E mesmo que a gente tenha todas as qualidades

O preconceito fala mais forte

E aí, infelizmente, temos que contar com a sorte

Vocês nos deram essa possibilidade

E dentro da cozinha didática ficamos à vontade

Fizemos amizade

E fomos quem somos de verdade.”

Veja alguns momentos:

Créditos: Ascom MPT-ES

Publicado em 27-12-2021.